Distúrbios do ciclo menstrual

Ao contrário do que muitas mulheres pensam, o ciclo menstrual não precisa ser um "reloginho" para ser considerado regular, e é normal que haja uma variação de até 7 dias entre um mês e outro!

Além disso, no primeiro ano após a menarca (primeira menstruação) é comum que o ciclo seja muito variável. 

Assim, o ciclo menstrual é considerado irregular quando:

  • Entre 1 e 3 anos após a menarca: os intervalos entre as menstruações são menores que 21 ou maiores que 45 dias
  • 3 anos após a menarca: os intervalos entre as menstruações são menores que 21 ou maiores que 35 dias​​​​

Além disso, chamamos de amenorreia um período maior que 3 meses sem menstruar  e de oligomenorreia a ocorrência de menos que 8 ciclos menstruais por ano. 

 

E quais são as principais causas da irregularidade menstrual?

 

  • Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP)

    • É o distúrbio hormonal mais comum entre as mulheres em idade reprodutiva, com prevalência estimada entre 8 e 13% dessas mulheres.

    • Essa síndrome tem como componentes chave o hiperandrogenismo (excesso de testostetona) e a resistência insulínica, e apresenta complicações reprodutivas e metabólicas que devem ser diagnosticadas e tratadas precocemente devido ao risco de infertilidade, neoplasia endometrial e síndrome metabólica

    • Além disso, apresenta impacto emocional importante devido aos aspectos estéticos que afetam negativamente a auto-estima das mulheres.

    • Seu diagnóstico é confirmado quando a paciente apresenta pelo menos 2 dos seguintes critérios:⠀
      1. Irregularidade menstrual (como definida acima);
      2. Hiperandrogenismo
        • Em exame laboratorial ou
        • Manifestações clínicas: acne, hirsurtismo (excesso de pêlos "terminais" - grossos e escuros - em regiões não habituais em mulheres, como barriga, costas, seios...) alopécia androgenética (perda de cabelo na região central do couro cabeludo);
      3. Ovários micropolicísticos ao ultrassom
        • Esse critério merece atenção, pois várias pacientes apresentam cistos nos ovários que não caracterizam esse diagnóstico. Além disso, só pode ser utilizado como critério diagnóstico 8 anos após a menarca. 
  • O tratamento é direcionado ao sintoma:
    • É frequente o uso de anticoncepcionais para regularização do ciclo menstrual e redução dos sintomas causados pelo excesso de testosterona (acne, hirsurtismo, alopécia). 
    • Quando necessário pode ser adicionada medicação anti-androgênica para controle dos sintomas. 
    • Quando a única alteração é a irregularidade menstrual pode ser usado apenas pílula de derivados da progesterona 10 a 12 dias por mês para regularização. A regularização do ciclo menstrual é muito importante para evitar a proliferação excessiva do endométrio, que pode levar a sangramento aumentado durante as menstruações (levando muitas vezes à anemia) e aumento no risco de câncer de endométrio
    • Quando a mulher pretende engravidar, os anticoncepcionais e anti-androgênicos devem ser suspensos, e, quando não há gestação espontânea podem ser utilizados medicamentos específicos.
    • A Metformina pode ser usada nas pacientes com alterações metabólicas (hiperglicemia, hiperinsulinemia) ou sobrepeso.
    • Devido ao componente metabólico da síndrome, é muito importante que todas as pacientes sejam orientadas quanto a mudanças no estilo de vida: alimentação saudável, atividade física regular e peso adequado

 

  • Obesidade

    • Além do aumento do risco para desenvolvimento da SOP, a obesidade é um fator de risco independente para várias alterações hormonais, como concentrações aumentadas de testosterona e insulina. Como consequência, a prevalência de irregularidade menstrual, oligomenorreia, amenorreia e também sangramento uterino disfuncional (episódios de intenso sangramento menstrual) é maior entre as pacientes portadoras de obesidade. 

    • O tratamento é similar ao da SOP, ressaltando que o componente mais importante é a mudança de estilo de vida e perda de peso. 

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  • Distúrbios da tireoide

    • Tanto o hipotireoidismo quanto o hipertireoidismo podem levar a irregularidade menstrual, oligomenorreia, amenorreia e sangramento uterino disfuncional. 

    • O diagnóstico é simples e realizado pelos exames de sangue, em especial o TSH e T4 livre. Caso estejam alterados, podem ser solicitados auto-anticorpos e ultrassom de tireoide para diagnóstico da causa da alteração tireoidiana. O tratamento do distúrbio da tireoide normaliza os ciclos menstruais. 

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  • Hiperplasia adrenal congênita (HAC)

    • É uma doença genética recessiva (ou seja: precisa que haja mutação no alelo herdado pelo pai e pela mãe para que se manifeste) extremamente comum, acometendo até 1% da população, em graus de gravidade muito variáveis

    • Pode ser causada por diferentes tipos de mutação que resultam em defeitos nas enzimas das glândulas adrenais (situada acima dos rins), que regulam a produção de cortisol, aldosterona (regulador do sódio e pressão arterial) e precursores da testosterona.

    • A enzima mais comumente afetada é a 21-hidroxilase, e seu defeito leva a um aumento da produção de andrógenos (precursores da testosterona). Além disso, as mutações mais graves levam a uma doença grave no recém-nascido pela deficiência cortisol de e aldosterona, conhecida como síndrome perdedora de sal.

    • As formas mais leves (e mais comuns, chamadas "não clássicas") da doença podem ser assintomáticas ou apresentarem sintomas causados pelo excesso de andrógenos, entre eles a irregularidade menstrual. Os sintomas podem ser muito parecidos com os da síndrome dos ovários policísticos, e por isso essa doença deve ser sempre investigada na suspeita de SOP.

    • Outra forma de apresentação da doença é o desenvolvimento precoce de caracteres sexuais androgênicos, como pêlos pubianos, em crianças.

    • O diagnóstico é feito por meio de exames laboratoriais, que evidenciam um aumento da 17-hidroxi-progesterona, um precursor do cortisol. 

    • Em alguns casos o diagnóstico genético é importante, como nos casos com alta suspeita sem confirmação laboratorial e em alguns casos de planejamento gestacional, já que a mutação é herdada pelos filhos.

    • O tratamento depende da gravidade da doença. Nos casos mais graves é necessária a reposição de corticóides, e alguns casos mais leves também podem ter benefícios dessa reposição para regularização da menstruação, melhora dos sintomas androgênicos e em casos de dificuldade para engravidar.

 

E as principais causas de amenorreia?
  • A amenorreia é dividida em primária (ausência da menarca) ou secundária (interrupção dos ciclos menstruais em pacientes que experimentaram menarca)

 

Principais causas de amenorreia primária:

 

  • Alterações anatômicas do trato reprodutivo
    • A alteração anatômica mais comum é o hímen imperfurado. Alterações no septo vaginal também podem impedir a exteriorização do fluxo menstrual.
    • Aderências ou cicatrizes uterinas extensas também podem bloquear a menstruação. 
    • A Síndrome de Mayer-Rokitansky-Hauser é uma síndrome rara na qual útero e vagina estão parcialmente ou totalmente ausentes. 
  • O diagnóstico dessas alterações é realizado pelo exame ginecológico e/ou ultrassom da região pélvica-vaginal.

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  • Síndrome de Turner

    • Essa síndrome é causada por uma alteração cromossômica caracterizada pela ausência de um dos cromossomos X no sexo feminino.
  • Essas meninas apresentam ovários atrofiados, "em fita", e por isso apresentam desenvolvimento tardio e/ou incompleto da puberdade. A minoria pode experimentar menarca, geralmente seguida por ciclos menstruais esparsos e irregulares e/ou amenorreia secundária.
  • Diversas outras características físicas típicas podem estar presentes, tais como:

    • Baixa estatura (grave)

    • Orelhas proeminentes e com baixa implantação

    • Implantação baixa do cabelo na nuca

    • Pescoço curto e alado
  • O diagnóstico é feito pelo exame de cariótipo, que detecta a anormalidade cromossômica.
  • tratamento é feito com reposição dos hormônios sexuais, estradiol e progesterona, com início em torno dos 11 anos e manutenção até a idade habitual de menopausa, em torno dos 50 anos.
  • gestação espontânea é muito rara, mas pode ser realizada fertilização in vitro com óvulos doados, caso seja um desejo da paciente.

 

  • Outros defeitos genéticos podem ser responsáveis por alterações nos ovários ou por deficiência dos hormônios que regulam o ciclo menstrual.
 
Principais causas de amenorreia secundária 
 
  • Hiperprolactinemia
    • A prolactina é um hormônio produzido pela glândula hipófise normalmente secretada durante a gestação e a amamentação. Porém, esse hormônio pode estar aumentado em algumas situações:

      • Tumores da hipófise secretores de prolactina (Prolactinomas);

      • Tumores que comprimem a haste que liga a hipófise ao hipotálamo;

      • Drogas e medicamentos que interferem na secreção de dopamina (a qual é um inibidor da prolactina), em especial os antidepressivos, ansiolíticos, anticonvulsivantes e neurolépticos;

      • Hipotireoidismo e outras doenças sem tratamento adequado 

    • A hiperprolactinemia interfere no ciclo menstrual pois a prolactina inibe a liberação dos hormônios sexuais. Além da amenorreia pode haver também galactorreia, que é a produção de leite fora do período da gestação e lactação. 

    • O diagnóstico é feito inicialmente pela dosagem no sangue da prolactina, e, se confirmado seu aumento, após a exclusão de medicamentos ou doenças que elevam esse hormônio, é realizada ressonância magnética da hipófise. 

    • O tratamento na maioria das vezes é realizado com medicamentos que bloqueiam a produção da prolactina. Raramente pode ser necessária cirurgia

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  • Amenorreia funcional hipotalâmica

    • ​É uma causa comum de ausência de menstruações, correspondendo a cerca de 35% das amenorréias secundárias

    • Ela é chamada hipotalâmica porque interfere diretamente na liberação de hormônios pelo hipotálamo, o qual é responsável pela ligação entre o sistema nervoso e o sistema endócrino.⠀
    • E é chamada funcional porque não está associada a nenhuma causa orgânica ou anomalias anatômicas, e sim à baixa disponibilidade energética (gasto calórico maior que consumo, causado por: dietas restritivas, atividade física excessiva ou perda de peso acentuada) ou, mais raramente, estresse emocional. 
    • Seu tratamento consiste em reverter sua causa, geralmente com aumento da ingesta calórica e/ou redução da atividade física. 
    • Assim como outras formas de amenorreia, se não tratada leva à baixa massa mineral ósseapredispondo a fraturas e osteoporose precoce 

 

  • Insuficiência ovariana prematura

    • Também conhecida como menopausa precoce, é a perda da função normal dos ovários que ocorre antes dos 40 anos.

    • Seu diagnóstico é feito na presença de amenorreia > 4 meses associada ao exame FSH > 25 em no mínimo 2 medições com 4 semanas de diferença. 

    • Pode ter causas genéticas, auto-imunes ou iatrogênicas, que são aquelas causadas por algum tratamento, como quimioterapia, radioterapia, etc.

    • A reposição hormonal nesses casos está sempre indicada, a não ser quando a mulher tem história de câncer de mama ou endométrio.

​​Veja no blog mais informações sobre algumas dessas causas de irregularidade menstrual e amenorreia citadas aqui!